Por BRUNO MATEUS
29/07/20 – 07h06
No início da década de 1980, Andréa Estanislau se apaixonou completamente pela música do Clube da Esquina, que ela conhecera por intermédio das vizinhas Celinha e Inezinha, cujo hábito de escutar a rádio Inconfidência acabou por influenciar aquela adolescente de 13 anos. Ela, então, começou a participar com frequência do programa “Boca Livre”, apresentado, à época, pelo pianista e compositor Marilton Borges. “Eu era a Andrea do Alípio de Melo, participava muito do programa”, ela recorda.
Alguns bons anos depois, Andréa cursava o penúltimo ano do curso de design na Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) quando sofreu um baque: o falecimento de sua mãe. Um tempo se passou, e ela estava em casa quando o apresentador do programa “Bem Brasil”, da TV Cultura, anunciou a atração: Beto Guedes. “Fiquei muito emocionada e pensei que meu projeto de graduação pudesse ser sobre música”, Andréa comenta.
Dito e feito. Ela apresentou um capítulo sobre o artista como trabalho de conclusão de curso, mas o incentivo dos amigos e a paixão pelo Clube da Esquina fizeram com que ela ampliasse o projeto e investisse em uma pesquisa sobre a história da turma de Milton Nascimento, Lô Borges, Fernando Brant, Toninho Horta, Beto Guedes, Tavito, Tavinho Moura, Wagner Tiso, Ronaldo Bastos, Marcio Borges e tantos outros que deram mais cores e acordes à música mineira e brasileira.
O resultado veio em 2008, com a primeira edição de “Coração Americano: Bastidores do Álbum Clube da Esquina”. “Não sou do meio e não conhecia nenhum dos artistas. Foi um trabalho de persistência e de fã para conseguir publicar a primeira edição”, conta a idealizadora do projeto. Agora, em julho, Andréa lançou o segundo volume da obra, atualizada e ampliada com novos textos e fotos.
O foco da publicação é o celebradíssimo disco de 1972, que inaugura um novo olhar para a música popular brasileira vindo das montanhas de Minas. Com textos do ex-secretário de Cultura de Belo Horizonte e ex-ministro da mesma pasta, Juca Ferreira, do historiador e cientista político Bernardo Novais da Mata Machado, do publicitário Rodrigo James, do jornalista João Paulo Cunha e da própria Andréa, além dos depoimentos dos músicos da Clube da Esquina, o livro também reforça a importância da história do movimento para a cultura brasileira e ressalta como ele foi um divisor de águas para a música de Minas – muito do que veio depois, em menor ou maior intensidade, bebeu na fonte do Clube.
Andréa diz que o livro atual também funciona como uma homenagem a Fernando Brant e Tavito e também aos fotógrafos Fernando Fiuza e Cafi, que morreram no intervalo de oito anos entre a primeira e a segunda edição. “Fiz uma edição ampliada, com mais textos, biografia dos artistas, adiciono um texto meu sobre o disco e novas fotos do Wilson Montenegro e Ivan Simas. Estou muito feliz com ela”, destaca.
Um belo conjunto de imagens ilustra as quase 200 páginas da obra, realizada com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte. Com tiragem de mil exemplares, “Coração Americano” será distribuído a centros culturais, bibliotecas, escolas e museus. “Vou gravar uma entrevista para ficar no site da prefeitura. Também desenvolvi um curso que prepara o professor do ensino fundamental para levar educação patrimonial a partir das músicas do Clube da Esquina”, comenta.
Amizade e confiança
O título do livro, além de ser o primeiro verso de “San Vicente”, parceria de Milton e Fernando Brant que está no clássico álbum, faz menção a um sentimento que permeava o clima não só das músicas, mas também das mentes e corações de toda uma geração. “É o coração da América Latina, cheio de esperança e de fraternidade, que sonha com a liberdade, com a justiça social”, ressalta Andréa.
A organizadora observa que o Clube da Esquina foi formado a partir da amizade e da confiança que existia entre os músicos, além de ser um trabalho coletivo que reforça os laços que unia os artistas: “Eles tinham liberdade de criação, foi uma mistura muito rica”.
Segundo Andréa Estanislau, “Coração Americano”, que seria publicado em abril, mas teve o lançamento cancelado em função da pandemia, é um documento não só para quem ama a música e o Clube da Esquina, mas também para as pessoas e as novas gerações que ainda não tiveram contato com as canções e as histórias dos protagonistas de um movimento fundamental da nossa cultura popular.
“É uma história que começou nas ruas de Belo Horizonte com uma amizade linda entre meninos comuns, que fizeram um trabalho que ainda ecoa nos quatro cantos do mundo. O Clube da Esquina é um patrimônio e temos que tomar conta dessa história, entender que ela é nossa. É uma música que desperta memória afetiva, e as pessoas ainda estão em torno dela, mexe muito com Minas Gerais”, observa.